Na sua juventude, o meu pai adorava fotografar e a minha mãe adorava posar para cada um dos seus cliques. Foi embrenhada num desses álbuns de profunda nostalgia, que a inspiração me encontrou. Num retrato da minha mãe onde a luz, na sua dualidade, a revelava e apagava do cenário encontrei a minha mãe do presente, envolta numa doença que a apaga lentamente do aqui e agora, da realidade. Naquele retrato melancólico, encontrei uma representação visual dos efeitos da demência, que a afasta um pouco mais de mim a cada dia.. Estava encontrado o ponto de partida para este projeto, faltava traçar um caminho.
Esta doença é parte da minha história e de mais de 55 milhões de pessoas no mundo. E foi nesses 55 milhões que encontrei a obra de duas fotógrafas, essenciais para guiar o processo fotográfico que se seguiu. Birthe Piontek e Norma Córdova, desenvolvem as suas representações da demência com base na intervenção artística sobre o objeto “fotografia”, deste método emergem novos significados e interpretações do objeto inicial. Comprometi-me, assim, a adaptar este processo à minha realidade.
Iniciei um processo de curadoria dos muitos retratos da minha mãe que detinha. A seleção recaiu sobre aquelas que para além das suas qualidades visuais, como enquadramento, pose, iluminação e cenário adequadas também transmitiam uma sensação de melancolia e nostalgia à partida.
A fase que se seguiu foi tão desafiadora como gratificante. O primeiro desafio foi alcançar o desapego necessário para iniciar a “destruição” das fotografias. Para cada uma procurei encontrar uma abordagem que me fizesse replicar o sentimento de perda, desvanecer e deterioração inerente aos efeitos da demência. Nestas experiências, utilizei todo o tipo de materiais, procurando sempre obter o melhor possível da imprevisibilidade que lhes era característica. A fluidez da água e tinta, a refração da luz e textura do papel de alumínio, a restrição e contração de linhas, o contraste entre luz e sombra, a forma, o espaço, a distância e por fim a reflexão dos espelhos. Os espelhos carregam uma forte simbologia, pois pessoas que vivem com demência acabam por perder a capacidade de reconhecer o seu próprio reflexo. Cada experiência apresentou os seus desafios técnicos e logísticos, mas a cada clique a vontade de continuar, de testar, de fazer mais ou até de refrear as abordagens tornou-se aditiva e até terapêutica.
A curadoria final procura apresentar os resultados que evidenciam o equilíbrio ideal e a simplicidade alcançada entre as qualidades da fotografia original e o resultado da sua intervenção.