A prática das artes e o seu ensino são dois campos em permanente transformação no último meio século. A prática artística – e é quase um lugar comum dizê-lo – reformou-se inúmeras vezes ao longo do século XX, absorvendo muitas outras produções objetuais e imagéticas, mas também incorporando muitas questões oriundas de outras áreas da produção do saber, suscitando permanentemente problemas acerca das suas fronteiras, das suas condições de possibilidade e da sua acuidade social. Nada disto é hoje novo, tendo-se convertido numa condição fluida e móvel com a concomitante dificuldade de estabelecimento de critérios ou mesmo de reconhecimento de qualquer tipo de especificidade. O ensino das artes, como qualquer processo de transmissão de conhecimento e procedimento, vive em permanente estado de crise, não só porque lhe é inerente a necessidade de construir modelos para uma situação líquida, mas também porque a sua condição de recriação de protocolos enfrenta as dificuldades de conciliar a regra da academia com a fluidez do que não quer ser contido em categorias, nomeadamente as que correspondem às divisões disciplinares das práticas artísticas oriundas da tradição das belas-artes.

Esta condição é já suficientemente complexa em relação a procedimentos artísticos que possuem uma longa tradição crítica, como a pintura ou a escultura. O caso da fotografia é, no entanto, ainda mais agudo.

A fotografia foi, desde a sua criação, uma possibilidade de produção imagética iminentemente vinculada à representação por uma primeira razão técnica: as suas imagens são produzidas a partir de uma pré-existência no mundo, uma configuração lumínica que se inscreve num suporte por processos de mediação lenticular. O seu ensino foi o de um procedimento técnico, uma transmissão da alquimia da fixação da luz.

Com as transformações inerentes à introdução da codificação digital das imagens, o vínculo entre imagem fotográfica e o seu modelo, o campo visual recortado, foise modificando, arrefecendo. No entanto, a enorme transformação gerada pela democraticidade da produção imagética não tinha qualquer paralelo na história, nem sequer a generalização do uso do lápis a grafite introduzido no final do século XVIII. As transformações do uso da imagem fotográfica, a sua conversão num código que não implica a sua fixação num suporte, as mudanças relativas à generalização do seu uso, a irrelevância da sua perenidade, transformaram a fotografia num meio de criação de imagens que não admite exterior.

Ao contrário do que tinha acontecido na história rarefeita das imagens até ao último quartel do século XIX dominada por imagens artísticas, a generalização do uso da fotografia inverteu a equação: hoje, ao contrário do passado, muito poucas imagens em circulação no mundo são imagens artísticas. Como só aconteceu no passado com o desenho ou a vulgarização da escrita, a generalização do uso da fotografia fez incluir neste nome práticas muito diversas: registo, documentação, selfies, anotações visuais e, claro, poéticas da imagem.

O ensino da fotografia é, portanto, uma tarefa muito complexa, sobretudo a nível universitário, ou de formação superior. Não se trata hoje (embora também) de transmitir procedimentos técnicos para a criação de imagens, mas de saber como se ensina o fotográfico, isto é, o olhar que reconhece o que pode ser fixado e, nessa fixação, repensar a natureza e viabilidade da imagem. O ensino da fotografia é, na sua complexidade, a possibilidade de propor um repensamento da viabilidade das imagens e, por conseguinte, um discurso sobre a sua ontologia.

É por isso que o projeto da Revista Contrast, no mapeamento que produz dos diversos casos de estabelecimento de planos de estudo da fotografia, é oportuno.

Em cada uma destas escolas, em cada um destes cursos, é sistematicamente jogada a questão da sua premência e da sua viabilidade, a interrogação sobre a grande ecologia das imagens do mundo, a possibilidade sequer de produzir, hoje, uma nova imagem, uma imagem nunca antes feita.

Assim, no mapa sem legenda ou escala das imagens do mundo, esta cartografia é indispensável. Ver quem faz o quê onde, porquê e para quem.

E propor um diálogo sobre os temas realmente relevantes, os que derivam da uma disciplina que, não se reconhecendo, se necessita de reinventar.

Que precisa, sobretudo, de repetir a pergunta pela razão e o método de cada imagem, ou a possibilidade sequer de cada imagem, de cada série de imagens. O ensino da fotografia necessita deste mantra, da repetição litúrgica da pergunta e, entretanto, continuar a fazer mais imagens. O ensino, como a Contrast demonstra, pode ser o campo desta interrogação, a reflexão ética sobre o procedimento, a prática do método.