Este trabalho prático tem como objetivo comunicar através de uma narrativa visual o percurso entre a estação de metro dos Aliados e o Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar e tem como referências de estudo, entre outras, as do trabalho dos fotógrafos Rita (1971-) e Català-Roca (1922-1998) que representam o quotidiano de modos distintos.
Da mesma forma que Rita Castro Neves, nós também tentámos captar o mundo real, no qual “cenários realistas, personagens comuns fundem-se nas suas paisagens – interiores ou exteriores – assim se apropriando e reconstruindo o seu surpreendente mundo exterior” [1]. Tendo como referência e estudo a obra intitulada “Asprela”, publicada pela scopio Editions, foi possível explorar no nosso trabalho uma série que questões e estratégias visuais presentes nessa obra. Determinadas frases serviram-nos de mote como “As imagens de paisagem são situações de passagem, incoerência, detalhe mínimo e vestígio”[2]. Interpretamos esta frase, na perspetiva do nosso trabalho, como se fossem os olhos do aluno que sai da faculdade e caminha para o metro. “Desarrumação, acumulação e construção em processo são marcas recorrentes, numa atenção especial ao que é menos evidente ou espetacular”[3] – esta frase que já SE refere a um olhar mais atento, é também uma perspetiva mais real do lugar de passagem do aluno, indiciando que talvez ele veja, mas não a observe. Neste percurso não só se observa, mas também se “sente” e assim, neste nosso percurso poderá haver “[…] tensão e construção simultaneamente arquitetónica e psicossocial […]”[4].
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Já no caso de Català Roca, que foi um dos principais fotógrafos de arquitetura moderna de Espanha e esteve incluído num grupo de arquitetos que fizeram renascer esta arquitetura depois da guerra civil, ele tentava captar a realidade com uma componente documental mais significativa do que os anteriores obras e fotógrafa de referência. O seu trabalho combina a realidade com a beleza graças às suas capacidades técnicas e à sua facilidade de entrar em contacto com as pessoas que retratava. As suas fotos têm sempre muita expressividade e captam emoções. Da obra deste autor, vamos retirar os ensinamentos de como retratar a vida quotidiana na cidade tentando uma aproximação social às realidades lá vividas (pessoas e suas atividades).
Por outro lado, em termos de características plásticas, aproximamo-nos mais do trabalho de Català Roca com as suas fotografias a preto e branco, os jogos de luz e a composição gráfica. Ainda ao nível da luz, quisemos explorar os mesmos locais a diferentes horas do dia de modo a analisar as diferentes apropriações que o espaço urbano tem e observar o quotidiano das pessoas que diariamente atravessam os espaços do ICBAS ou as ruas do Porto. Relativamente a estes aspetos sentimos que fomos de alguma forma influenciados pelo trabalho do filósofo Lefebvre e o antropólogo Edward T. Hall. Estes autores abordam, através de perspetivas diferentes, mas complementares, respetivamente, a vida quotidiana, o conceito de momento e a conceptualização do ciclo da vida. Tudo isso permitiu perceber e explorar de forma mais significativa a influência que as deslocações (trabalho-transporte-casa) têm para o espaço de cidade; e a proxémia que se define pela dimensão cultural de apropriação do espaço, ou seja, indivíduos de culturas diferentes habitam mundos sensoriais diferentes, resultando num “produto cultural específico”.
O nosso trabalho dividiu-se em quatro partes, cada uma correspondendo a um pequeno volume, de observação independente, mas relacionada. Cada livro permitiu uma promenade distinta pela cidade do Porto, iniciada sempre na estação de metro dos Aliados e que se desenrola até ao ICBAS, instituto integrante da Universidade do Porto, projetado pelo Arquiteto José Manuel Soares, que partilha instalações com a Faculdade de Farmácia.
Cada livro irá assinala elementos distintos do percurso, diferentes modos de habitar a cidade, diferentes pessoas, diferentes edifícios. Destacamos a luz que influencia a vida na cidade – a sua presença inicia a vivência da cidade, a sua falta abafa-a. Damos um significado especial aos detalhes, tão facilmente esquecidos na correria das ruas, paramos para respirar e observar a banalidade de um regresso a casa. Observamos na vitrine um cliente regular a cortar o cabelo no barbeiro ou um saco do lixo deixado no passeio na noite anterior. Apreciamos a materialidade da cidade, as suas diferenças transpostas para as fachadas dos prédios, visíveis nas falhas dos paralelos do passeio. Tentamos dar valor ao lado menosprezado da cidade, os reflexos, transparências, sombras, contrastes captaram a atenção das nossas lentes que percorriam despreocupadamente as ruas do Porto.
Como referiu Inaki Bergera, “A visão do fotógrafo nunca é indiferente, nunca é inócua e entendemos que, muitas vezes, o feliz resultado destas imagens está relacionado com a cumplicidade e forte relação entre fotografia e obra fotografada, ou seja, existe uma simbiose entre a sensibilidade do fotógrafo e o caráter e a qualidade da arquitetura que o inspira, sendo isso que lhe permite transpor para a fotografia – e através da fotografia – essas qualidades.” [5]
[1] Rita Castro Neves. (s.d.). Rita Castro Neves. http://ritacastroneves.com/pt/bio/
[2] Neto, P. L. (Ed.). (2015). Asprela. Scopio Editions.
[3] Neto, P. L. (Ed.). (2015). Asprela. Scopio Editions.
[4] Neto, P. L. (Ed.). (2015). Asprela. Scopio Editions.
[5] Bergera, I. (2015). Fotografia e arquitectura moderna em Espanha. Scopio Editions.