Chegámos ao fim do livro Contrast. A Fotografia no Ensino Superior e é à luz inspiradora desta experiência que expõe a Fotografia como sistema vivo e aberto, que enfatizo a imagem fotográfica como entidade holistica entre as coisas e as pessoas. A Fotografia, esse labirinto de infinitas possibilidades artísticas, ligado mais ou menos de perto a outras linguagens, é criadora de ambientes perceptivos e mentais, de histórias, de atmosferas que propõem modos de habitação no tempo e no espaço. A Fotografia que não é indiferente à vida é sempre importante.

Peter Zumthor usa um termo que pode parecer demasiado sentimental a quem prefira argumentos mais objectivos e determinados: a comoção. É quando procura o que é para si a qualidade arquitectónica que fala do edifício que o comove ou não comove. Não trataremos aqui da comoção como experiência do limite ou como iminência do sublime. Não é preciso chamar Burke, Kant ou o renascimento do sublime de que trata Lyotard. O que nos interessa agora referir é a relação que Zumthor faz entre o edifício que o comove e a atmosfera sugerida por uma fotografia de um ângulo interior da estação de Broad Street, em Richmond na Virgínia. Confessa ele no livro Atmosphären que nunca tendo visitado o edifício, quer projectar “algo semelhante ao espaço desta fotografia” que ele repetidamente olha. É um espaço que se adivinha ainda mais amplo, com pé direito alto, com colunas, candeeiros, bancos corridos, alguns passeantes que não aparecem em primeiro plano, mas movem-se por lá. E a luz e a sombra. O tom, o timbre, o contraste, a textura, a cor. A fotografia daquele interior abre-lhe um mundo que é uma impressão imediata de uma atmosfera e de uma sensação que, com mais demora, se pode desdobrar em muitas outras impressões, sensações, ideias e desejos como é esse o de querer projectar algo que comova “uma e outra vez”. A Fotografia que significa para além da supremacia da visão e do olhar, porque os sentidos são corpóreos e a consciência e o corpo não se prescindem mutuamente. O culto do olhar acaba por tornar-se narcísico e portanto nihilista, ao separar o eu do outro e do mundo que é multisensorial.

Juhanni Pallasmaa em The Eyes of the Skin (entre outras obras) ralha pesadamente sobre a hegemonia do olhar e do sentido da visão, sendo, por exemplo, “impossível pensar num nihilista sentido do toque”. E percebemos bem como essa denúncia encaixa na realidade vertiginosamente visual dos nossos dias. Por isso, a Fotografia e as outras formas artísticas com que se une ou em que participa supõem o fascinante 205 convite a interpretar as imagens num contexto perceptivo e mental alargado, sem dúvida mais complexo, mais intrigante, mas também mais completo. A atribuição de significado às coisas através da Fotografia, preservando a reputação da técnica, é uma fonte de debate sobre o sentido sinestésico da experiência estética e da preservação e comunicação de conhecimento. Assim, dos numerosos textos sobre o que pode ser a direcção que a cultura artística está a trilhar, incluindo as suas incertezas, evocamos os Seis Temas para o Próximo Milénio de Juhanni Pallasmaa (Encounters. Architectural Essays). Essa reflexão que é também uma homenagem à fonte inspiradora – as cinco Lições Americanas de Calvino – reclamam o desafio que se coloca à arquitectura de dialogar com os vários ramos do conhecimento necessários para cumprir a sua função de viabilizar o “sentido existencial de habitar verdadeiramente o espaço.” A Fotografia pensada e mostrada em Contrast propõe o artista fotógrafo como experimentador que, a partir das coisas da existência como matéria prima, adensa a força da arte para a compreensão humanizadora do nosso tempo.