O olhar instruído por Inaki Bergera
“E agora, meu amigo, peço-te que abras bem os olhos. Manténs os teus olhos abertos? Foste treinado para abrir os teus olhos? Mantém-los continuamente abertos? Para onde olhas quando caminhas?”. Este conselho de Le Corbusier aos estudantes de arquitetura poderia ser alargado a qualquer pessoa envolvida numa educação criativa. Criamos a partir da memória e a nossa memória é estimulada por aquilo que vemos e observamos no nosso quotidiano.
A fotografia não é apenas um meio documental, é uma fonte de inspiração, um relatório autónomo e independente que surge da observação deliberada do comum. Uma luz, uma textura, um jogo de escalas, uma atmosfera, um objeto descontextualizado… tudo serve como catalisador da curiosidade e estimulador da ação criativa. Assim, geramos um processo de dedução e intuição desenvolvido num mapa de imagens latentes, arbitrárias ou recorrentes que se torna, por analogia e comparação dialética, uma verdadeira metodologia de design.
A sensibilidade do criativo é forjada pela lente do olho instruído, com ou sem a câmara. Os arquitetos, designers ou artistas anseiam olhar e, ao fazê-lo, acabam por afinar o palato: o olho é o instrumento preciso para a apreciação externa e para a autocrítica, ou seja, para a análise reflexiva da própria atividade criativa.
A consagração pós-moderna da cultura visual acabou certamente por conferir um poder sobrevalorizado à imagem que silenciou outras fontes de conhecimento e compreensão espacial. A “chuva ininterrupta de imagens”, nas palavras de Italo Calvino, resultou na rutura entre imagem e realidade, agravada pela urgência do virtual, e perverteu este discernimento cognitivo fazendo-nos vislumbrar, em primeiro lugar, a aparência epidérmica das coisas e não tanto a sua essência e identidade.
Se olhar não é apenas descrever mas também perceber e, portanto, expressar, este império opressivo do visual exige urgentemente a reformulação crítica de alguns princípios operacionais que lhe poderiam dar credibilidade. Consequentemente, a popularização do visual exige um esforço pedagógico que procura a aprovação de uma linguagem visual coerente, rigorosa e sensível.
Olhar não é uma ação inofensiva. “Não existe olhar inocente”, sentenciou Ernest Gombrich. O olhar apreciativo traz certamente a construção, ou ainda, a reconstrução, de princípios estéticos individuais e coletivos. O olhar, e a fotografia como mecanismo operativo de expressão visual, devem, portanto, recompor o seu valor heurístico que nos ajuda a explorar métodos não verbais de conhecimento de uma forma disciplinada. Face a um campo visual desfocado e insensível devido à sua saturação, a consequente agnosia visual exige certamente uma pedagogia que recomponha os vetores do mundo visual e que explique a partir de uma memória cultivada as associações espaciais férteis do mundo físico.
“Pensamos em imagens antes de pensarmos em ideias. As ideias são destiladas em imagens. As ideias são imagens”, escreve o professor espanhol Federico Soriano. Contudo, a imagem nem sempre é o resultado de um ato consciente e intencional de olhar. Se já em 1927 László Moholy-Nagy avisava que o analfabeto do futuro não seria “o inexperiente na escrita mas o ignorante da fotografia”, poderíamos reler hoje esta premonição como incentivo a realizar qualquer atividade de formação no campo da fotografia. Estamos interessados em repensar a imagem como resultado do ato de olhar, e “a fotografia”, como entendida por Rosalind Krauss, como expressão dos processos que configuram e decantam o visual. “Quando os olhos veem claramente, o espírito decide convictamente”, pronunciou Le Corbusier. Por conseguinte, devemos facilitar pedagogicamente esta clarividência, mas apoiados por um contraponto refinado, crítico e instruído.
Todas estas premissas estão de alguma forma presentes no projeto “Contraste”, que nesta segunda edição inclui o trabalho fotográfico realizado em diferentes contextos pedagógicos ligados à arte, ao design e à arquitetura. Este compromisso coletivo de dotar a narrativa fotográfica de identidade e autonomia sublinha a importância de continuar a construir um corpus formativo, um roteiro válido para a construção deste olhar instruído que nos permite explorar e interpretar os desafios da nossa contemporaneidade.
1 LE CORBUSIER (2001). Mensaje a los estudiantes de arquitectura. Buenos Aires: Ediciones Infinito, p. 68.
2 SORIANO, F. (2009). 100 Hipermínimos. Valencia: Lampreave, p. 97.