A discreta omnipresença da fotografia: um prefácio por Victor dos Reis
Contrast: A Fotografia no Ensino Superior é uma publicação que nasceu de uma necessidade sentida por muitos e que os seus autores compreenderam ser até um imperativo: dar a conhecer o papel e a importância que hoje assume o ensino e a prática da fotografia nas escolas superiores portuguesas de arte, de design, de arquitectura e também do que designamos genericamente de estudos artísticos. Apesar das múltiplas diferenças entre estas diferentes fotografias – na sua génese e na sua história, na sua inserção no contexto universitário ou politécnico, no seu intuito programático e na sua organização pedagógica e, finalmente, na sua maior ou menor autonomia científica ou peso relativo nos curricula respetivos – constata-se, acima de tudo, a sua omnipresença no ensino artístico. A constatação de uma tal omnipresença e a surpresa que ela pode constituir, por via desta publicação, revela o quanto se trata, afinal, de uma omnipresença discreta.
Se estas «imagens fabulosas, criaturas do momento», nas palavras de William Henry Fox Talbot (1800-1877), sempre foram figuras do nosso espanto, parafraseando Pedro Miguel Frade (1960-1992), por via dos textos aqui publicados e, sobretudo, dos projetos fotográficos revelados torna-se muito mais compreensível porque é que, cada vez mais, à nossa volta a fotografia de autor seduz jovens criadores e demonstra um vigor e uma bravura – por via da qualidade técnica e conceptual das imagens que são criadas – que não assistíamos há muitos anos.
Quase a comemorar os seus duzentos anos de existência, a velha invenção revela uma capacidade continuada de auto-renovação e, sobretudo, de transformação do nosso olhar e, desse modo, do nosso papel e lugar como sujeitos visuais. Mediada pela fotografia a visão que temos de nós e do mundo é, deste modo, sempre incerta, incompleta e instável – mas também frequentemente surpreendente. Por exemplo, quando surge perante os nossos olhos como um daqueles momentos extraordinários em que a velha magia (ou ilusão) da instantaneidade e da verosimilhança – verídicas ou fabricadas – captura a nossa atenção e, com ela, a nossa consciência. Enredados uma vez mais nestas «imagens fabulosas» acreditamos ver mais e ver melhor. Sobretudo, ver muito para além dos nossos habituais mundos visuais.
Pela janela que assim se abre somos conduzidos, transportados, numa fuga ou, simplesmente, numa viagem que tantas vezes, sem darmos por isso, não só nos muda de lugar e de momento, sem que o aqui e agora sofra qualquer alteração, mas muda em nós a consciência do espaço e do tempo. E, desse modo, a própria ideia de quem somos e como somos.
Numa era em que a fotografia instaurou um paradigma visual, abriu caminho a novas e cada vez mais complexas tecnologias de criação, reprodução e difusão visual, transformou radicalmente o nosso quotidiano, criou uma cultura visual moderna ferozmente visual e fez de todos nós não apenas observadores mas criadores de imagens, conseguir ser esta omnipresença discreta talvez seja o exemplo mais amplo e completo do seu triunfo. Por isso, não estará na altura das nossas histórias da arte e outras alargadas narrativas culturais mudarem também? Da investigação histórica, do pensamento e da crítica da fotografia deixarem de viver num mundo quase paralelo, frequentemente estanque, para se tornarem componentes indissociáveis do complexo e variado tecido da criação humana? Sem grande alarido, de forma discreta, mas absolutamente radical?