“Se não é a sua primeira viagem, o viajante já sabe que as cidades como esta têm um avesso: basta percorrer um semicírculo e ver-se-á (…)”. Ao mergulharmos no tecido da cidade, nesta malha densa, estranha e confusa que ousamos desvendar, encontramos diversas peripécias e questões duplamente alheias e intrínsecas ao nosso pensamento. É ao percorrer estes caminhos que a mente coloca em causa a veracidade do mundo, cada passo ajuda-nos a retirar o filtro, o filtro que cobre a lente da câmera e que desfoca o nosso olhar. Aguçando a nossa percepção para além do banal, da realidade palpável e corriqueira.
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Percorremos, movimentamo-nos, deslocamo-nos e só retemos a solidez, a nossa mente conserva somente a ousadia e a imponência do edificio. O viajante é incapaz de compreender, subitamente, que aquela exterioridade ordinária é apenas um fragmento de um todo muito mais inquietante. Mas existem fendas, ranhuras, falhas… que não são meras imprecisões ou lapsos, a gesticulação do visitante é premeditada, o criador da obra instiga a mente, provoca os nossos sentidos, alfinetando-os.
Um novo percurso manifesta-se, a nossa idealização desprimorosa é desobestruida e a nossa cons- ciência desvenda o novo enredo. Compreendemos agora a exurberância que a rigidez exterior acoberta e a vivência que abriga, a abundância da expressão invade a nossa perceção. Como poderá esta
vivacidade não oscilar com a aus- teridade antes sentida? É através da subtileza do traço, da imagem e da quebra elaboradas no decorrer do processo projetual que a harmonia entre duas escalas divergentes, a escala humana e a escala da cidade, é criada.
É em “Oppositions” que exploramos a dualidade do edifício, onde, como já referimos, a aparência ousada e imponente do exterior contrasta com a atmosfera convidativa e animada que o espaço central propor- ciona. Fotógrafos como Albert Renger, Sergio Creazzo, Zeche Katharina e Bernd e Hilla Becher intercetam exatamente esses momentos, captam os contrastes, as personagens secundárias e os protagonistas, a comédia e o drama, o desigual na unidade. Enfatizamos também a noção de movimento, tal como John Bulmer, abordando cada imagem como uma janela para as experiências humanas dentro deste espaço.
“(…)a cidade (…) consiste somente de um lado de fora e de um avesso, como uma folha de papel, com uma figura aqui e outra ali, que não podem se separar nem se encarar.”, um lugar onde as partes, os contrastes e o movimento participam numa dança infindavel.