Nas últimas duas décadas tenho fundamentado os meus estudos e prática profissional em processos de observação participante e de investigação-ação no âmbito da 3ª missão da Universidade. A miscigenação com as várias comunidades académicas e profissionais que trabalham em diversas instituições públicas ligadas às questões da Cidade tem-me alertado sobre diferentes, mas complementares, problemáticas associadas ao vasto tema da documentação iconográfica e textual e dos sistemas que possibilitam o seu arquivo,  informação e interpretação, na consciência da urgência de uma perspetiva cada vez mais transdisciplinar sobre a matéria, tendo como objectivo último, o acesso universal.

A endogamia das diferentes áreas disciplinares impede, ou pode impedir, uma mundivisão e lança-nos nas teias da deturpação da perceção das partes caucionando o domínio do Todo. Os vasos comunicantes e as transversalidades intelectuais tornam-se determinantes para que essas mesmas áreas disciplinares possam gerar entre si sinergias e contribuir para a sua afirmação na sociedade, ampliando a esfera pública do Conhecimento. As visões compartimentadas das questões, dos temas e dos problemas quartam substancialmente as possibilidades de compreensão dessa globalidade e, nesse sentido, tudo o que, no campo do Conhecimento, vise promover a transdisciplinaridade, é, manifestamente, um salto de escala significativo.

Uma das questões com a qual me debato nos meus trabalhos de interpretação científico-artística da Cidade e da Sociedade em Portugal é a frequente dispersão da informação, a sua visibilidade e, sobretudo, as suas invisibilidades. Tal é o caso singular da fotografia e do documento fotográfico. Muitas vezes contrariando a organização documental resultante dos processos indexados à sua produção (pública ou privada), nota-se uma tendencialmente negativa divisão por espécie de documento, desagregando a união física e intelectual da informação, dificultando a sua interpretação e consequente publicação organizada.

Durante vários anos, especialmente entre as décadas de 1970 e 1990, observou-se uma separação física dos documentos fotográficos relativamente à demais informação – algo “novo”, que contrariava a “tradição” de “colecções” que fazia parte dos quotidianos das instituições e dos hábitos de construção de memórias individuais, familiares ou de “autor”. Em muitos casos esta ação impediu a leitura dos processos de criação e descaracterizou possíveis chaves de leitura dos momentos associados à sua produção. 

O lento processo de formação da “urbanidade moderna” em Portugal percorreu já três séculos e permanece (por felicidade) em forma de narrativa aberta. Os protagonistas dos vários tempos, normalmente perseguindo efémeras manifestações de poder que, vulgarmente, a história não lhes confere mas que às eras vão resgatando, deixam o seu lastro, registando a fugacidade do seu tempo e poder.

A fotografia fixa o presente, as suas dinâmicas, fluxos e aparências, e faz perdurar o passado, mais concretamente as suas visualidades, a imagem que os vários tipos de enquadramento e contexto, técnicas e tecnologias, possibilitaram fixar analógica ou digitalmente. A preservação dessa manancial memória, do documento, urge: não só como espécie singular mas, como conjuntos, uma “montanha mágica” que é a construção da urbanidade. Essa mesma urbanidade, que possibilita a existência do espaço e do ser urbano é bastante visível durante o processo de criação e obra na Arte e na Ciência. Trata-se de um permanente ensaio, potenciando o surgimento do que se vê e do que se não vê, do que é tangível e material, mas também do que é poético, intangível, imaterial, navegando por entre as margens mais ou menos apertadas dos rios da invisibilidade. A fotografia como arma de combate ao esquecimento e como instrumento de trabalho da memória da Humanidade mantem-se como a grande revolução no campo da imagem capaz de sublinhar a maravilha da produção e da realização da espécie humana, parte fundamental da sua documentação e impressão digital nos vestígios de sempre novos futuros.

A grande transformação ultrapassa a natural proeminência do “eu” no acto fotográfico— toda a fotografia é, em si, subjetiva, precisamente por depender da interação entre o sujeito, a máquina e o meio. Mas é também essa natural subjetividade, presente, como disse, na produção, que estará sempre presente na informação, na divulgação, acesso e interpretação, como objecto, como documento. Entre o sujeito e a comunidade, entre a área disciplinar e as demais concumitantes, entre a Academia e as Comunidades, nessa constante aprendizagem em serviço, legamos às novas e às novíssimas gerações a arma que contraria a estrada larga do esquecimento.

Penso que projectos como a publicação CONTRAST, ao reunir um conjunto diversificado de pensamento crítico, projectos fotográficos interligando ensino/aprendizagem, ensino/investigação e a sua ressonância nas comunidades, acrescentam valor à exposição na esfera pública da documentação como arma de combate nos campos da Arquitectura, Arte, Design e Fotografia e das áreas que lhes são transversais, nomeadamente no campo das Ciências Humanas. CONTRAST, ao criar sinergias entre diversas escolas, trabalha com a eterna questão do ser e do não ser, do existir ou do aparentar, da visibilidade e da invisibilidade, na esfera do comum, esperando-se que, como digo no texto, diminua a “estrada larga do esquecimento”.